
Margarida (nome fictício), não fala. Ninguém sabe o seu nome. Os médicos suspeitam de uma trombose que lhe afectou a fala. Dois bombeiros trouxeram-na da unidade hospitalar do Fundão. Médicos e enfermeiros conversam entre si e dizem que "a filha a abandonou". Sem saberem o historial clínico de Margarida, os médicos nada podem fazer, a não ser mandá-la de volta para o Hospital do Fundão. Nesta noite, a maior parte do tempo é passado a tratar das doenças da idade, como os problemas cerebrovasculares. Nos corredores vêem-se idosos em macas encostadas às paredes brancas do Serviço de Urgências. "
Abandonar idosos nas urgências é prática corrente. O Centro Hospitalar Cova da Beira (CHCB) não escapa à triste estatística que tem vindo a aumentar. Muitas vezes são casos que não justificam internamento. Nos hospitais das grandes cidades, estes doentes seriam rapidamente enviados para casa. Mas nesta unidade hospitalar ninguém tem coragem de mandar um idoso de volta, sem que antes a sua situação social esteja resolvida. É o sentido de humanização que se ganha quando se vem para um hospital do Interior. Há quem recorra aos serviços de urgências porque se sente sozinho. "Basta uma voz amiga e um carinho para ajudar bastante no tratamento, mas o bom senso é indispensável", defende Francisco Brito, médico de família de serviço. "O doente é um ser humano, seja em que circunstâncias for", acrescenta. Para Maria Eugénia André, a urgência ou não dos problemas é um factor decisivo na forma como se devem tratar os doentes. "Nas situações não urgentes devemos ter uma atitude mais carinhosa. Nas situações de emergência, o importante é actuarmos logo". Todavia, as coisas nem sempre se passam desta maneira. "Por vezes não nos apercebemos que há situações em que só uma palavra basta para resolver o problema do doente", afirma a profissional. Depois das três da manhã, no serviço de urgências do Centro Hospitalar Cova da Beira, segue-se um período de acalmia que contrastava com a confusão de horas antes. A televisão passa imagens de televendas numa sala que está vazia. São seis da manhã. Todo o hospital parece dormir. Daqui a algumas horas, as caras cansadas da noite são substituídas por outras não menos exaustas. "Na prática sempre que os médicos fazem horas extraordinárias têm direito a descanso, mas como os especialistas nos hospitais são muito poucos somos obrigados a acumular horas de trabalho", desabafa Eugénia André, médica interna, que divide o seu tempo entre as urgências e as consultas externas.